“Em um dado momento, a solidão se torna mais um hábito do que um problema. Com o tempo, você deixa de olhar para o telefone e se perguntar por que não consegue pensar em alguém para quem ligar, deixa de cortar o cabelo, deixa de fazer exercícios, deixa de pensar que amanhã é o primeiro dia do resto da sua vida. Porque amanhã é hoje, e hoje é ontem, e ontem você ficou assustado e arrasado. A única maneira de permanecer são é deixar de esperar por algo melhor.”(TROPPER, p. 16, 2015)
“Que merda é essa?” é uma pergunta que surge a todo tempo na vida de Drew Silver, um ex-rockstar que desde que a banda se separou e sua esposa o largou, vive em um condomínio onde moram outros homens divorciados, toca em ocasionais festas de casamento e, no geral, apenas vê a vida passar. E não bastasse o fato de a ex-mulher estar de casamento marcado e sua filha adolescente estar grávida, Silver tem um derrame que o deixa com a inconveniente sequela de não conseguir controlar a língua e verbalizar pensamentos que nunca deveriam ser ditos em voz alta (como o fato de que ele ainda é apaixonado pela ex e a filha não contou para ninguém, exceto ele, que está grávida). Em meio à confusão de sua vida, ele decide não fazer a cirurgia que poderia salvá-lo e aproveitar o tempo que lhe resta para consertar seu relacionamento com a filha e tornar-se um homem melhor.
Com uma narrativa divertida, irônica e sensível, “Antes de partir desta pra uma melhor” consegue um feito raro: aliar melancolia e bom humor. Seu narrador onisciente transita pelas angústias de cada um dos personagens, explorando todos a fundo. Nessa história, ninguém é vilão ou mocinho. Todos tem sua cota de erros, estão cientes deles e se obrigam a conviver com as consequências de suas decisões.
No centro de tudo está Silver, um sujeito que perdeu o controle da vida. Do jeito como as coisas estão, nada parece valer a pena, mas ele já não sabe como fazer para que seja diferente. Já não sabe como consertar os relacionamentos antigos e acredita que não vale a pena trazer nenhum novo para a vidinha que leva. Se é assim, então para que fazer uma cirurgia? Para que continuar vivendo?
Ao contar com um grupo de personagens verossímeis, um autor consegue criar as mais diversas dinâmicas entre eles e é isso que Tropper faz. Entre Silver, sua filha (que está em uma situação complicada com a gravidez, nunca teve uma figura paterna e não quer se decepcionar com o pai mais uma vez), sua ex-mulher (que está feliz com outro homem, mas guarda mágoas pelo fim do casamento e não sabe o que fazer diante da possível morte do pai da sua filha) e o noivo da ex-mulher (que agora também é médico de Silver) milhares de linhas se criam e se cruzam e a história ainda abre espaço para os pais de Silver e os vizinhos do condomínio. Tudo isso partindo de uma premissa que poderia ser melodramática e clichê (homem que se afastou de todos tenta consertar a vida agora que está prestes a morrer) caso o autor não fosse hábil em construir essas personalidades. Outra habilidade de Tropper é explorar essas histórias com naturalidade de forma que o leitor nem perceba que tantas coisas estão se desenvolvendo ao mesmo tempo, em um espaço de narrativa relativamente curto.
“Antes de partir desta pra uma melhor” pode não ter a mais marcante das tramas, mas ao criar personagens nos quais o leitor consegue acreditar e simplesmente deixá-los viver suas histórias como pessoas reais vivem um dia após o outro, Tropper conseguiu um bom resultado. O final em aberto,deixa um gostinho bittersweet, mas me pareceu adequado à intenção do personagem (consequentemente da trama).
Resenha elaborada por Mariana Fontana Szewkies
Criado em: 25/02/2018 17:18:48.
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